Em 24 de abril de 2025, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que acendeu um alerta global entre ambientalistas, cientistas e organismos internacionais: o documento autoriza e incentiva empresas americanas a explorarem recursos minerais no fundo do mar, mesmo em águas internacionais, sem a adesão aos tratados e instituições multilaterais que regem a atividade.
A medida marca mais um capítulo de retrocesso ambiental promovido pela atual administração dos EUA, desta vez com impacto direto sobre a biodiversidade marinha e o sistema internacional de governança dos oceanos.
De modo semelhante aos decretos unilaterais já vistos em outros países, a decisão do governo estadunidense despreza as diretrizes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) e ignora a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês), órgão multilateral responsável por estabelecer regras técnicas e ambientais para a exploração mineral em alto-mar.
Segundo o texto da ordem, o objetivo seria transformar os EUA em “líder global na exploração responsável de minerais do fundo do mar”, com foco em tecnologias e parcerias internacionais. Na prática, entretanto, o gesto é visto como um rompimento com quase cinco décadas de construção diplomática para o uso sustentável dos recursos marinhos.
O impacto diplomático foi imediato. A secretária-geral da ISA, a brasileira Letícia Carvalho, classificou a decisão como “surpreendente” e alertou que medidas unilaterais colocam em risco os fundamentos da governança internacional dos oceanos. Em carta pública, Carvalho afirmou que a postura dos EUA mina a legitimidade de um esforço global complexo, conduzido por 169 países signatários do Tratado do Fundo Marinho, aprovado em 2023, que ainda está em fase final de regulamentação.
A China, que atualmente lidera o número de requerimentos formais junto à ISA para exploração mineral no mar profundo, reagiu duramente. Para o governo chinês, a medida americana é “egoísta”, “uma violação do direito internacional” e um risco real de gerar uma “corrida sem lei” por recursos minerais oceânicos, com graves consequências para o equilíbrio geopolítico e ambiental.
Do ponto de vista ecológico, a mineração em alto-mar é amplamente considerada uma atividade de risco elevado e de conhecimento científico ainda insuficiente. Organizações como o World Resources Institute (WRI) alertam que o oceano profundo não é um deserto inóspito, mas sim uma das regiões mais biodiversas do planeta, fundamental para o equilíbrio climático global e para diversas cadeias econômicas.
Estima-se que dezenas de milhares de espécies já tenham sido catalogadas nas regiões abissais, e apenas na chamada Zona Clarion-Clipperton — uma das áreas mais cobiçadas pela indústria extrativista — foram identificadas mais de 5 mil espécies potencialmente novas para a ciência. A recuperação de ecossistemas impactados por operações de mineração pode levar de milhares a milhões de anos, segundo cientistas especializados em geologia marinha e biologia dos fundos oceânicos.
Além da ameaça à biodiversidade, há impactos socioeconômicos e climáticos associados à atividade. A mineração em alto-mar compromete a sustentabilidade da pesca artesanal e comercial, afeta comunidades costeiras e ameaça o papel do oceano como o maior sumidouro natural de carbono do planeta, responsável pela absorção de aproximadamente 25% do dióxido de carbono (CO₂) emitido globalmente.
Apesar das advertências, setores industriais e governos defensores da mineração submarina sustentam que a exploração dos recursos minerais do fundo do mar é essencial para suprir a demanda por insumos estratégicos na transição energética global — como níquel, cobre, zinco, prata e lítio, empregados em painéis solares, baterias de veículos elétricos e equipamentos eletrônicos. No entanto, cresce o entendimento de que uma transição energética justa e sustentável não pode replicar lógicas extrativistas predatórias sob o pretexto da descarbonização.
Enquanto entidades da sociedade civil e ambientalistas pressionam por uma moratória global para a mineração em alto-mar até que existam salvaguardas efetivas e ampla base científica sobre seus impactos, a postura dos EUA pode comprometer décadas de avanços multilaterais e abrir precedentes perigosos para o futuro da governança dos bens comuns planetários.
No momento, organismos internacionais avaliam alternativas legais e diplomáticas para responder à medida americana e conter a fragmentação do regime internacional que regula os oceanos. A controvérsia evidencia, mais uma vez, o desafio de alinhar soberania nacional, interesses econômicos e responsabilidades globais no enfrentamento da crise ambiental planetária.
Fonte: Eco.org